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A CULPA É DA FILOMENA

O caso da capivara Filomena ganhou os holofotes do país inteiro na semana passada. Filó caiu na boca do povo, para azar da diretoria do IBAMA. Eu gosto quando a população fala grosso com o Estado.

O incidente serviu para lançar luz à incômoda verdade: o Estado age de modo a justificar a própria existência, e o fará, invariavelmente, da maneira menos arriscada e trabalhosa possível.

O desmatamento na Amazônia triplicou em março deste ano. O garimpo ilegal despeja cada vez mais mercúrio nos rios. O IBAMA, contudo, parece deitado em berço esplêndido. Convenhamos: é mais fácil confiscar a capivara de um ribeirinho, mais seguro multar em R$ 18 mil um rapaz que vive de tirar leite de vaca e produzir queijo do que se embrenhar na selva atrás de garimpeiros e traficantes de animais.

Outra realidade ainda mais inconveniente: o Estado cobra da população o que ele mesmo não pode cumprir. Quando o IBAMA arrancou Filó da guarda do seu tutor, prendeu o animal em uma jaula escura, sobre um chão de cimento, ofereceu-lhe uma piscina de água verde e medicamentos vencidos.

Todas essas benesses o Estado deu a um bichinho acostumado a pisar em terra úmida, comer capim e banhar-se no rio. De fato Filó merecia o ambiente natural oferecido pelo IBAMA…na opinião dos seus intendentes, claro. Afinal, o que ampararia salários e aposentadorias tão acima da média? Adoro ver máscaras caírem!

Lembro-me do episódio que se passou em uma das clínicas privadas em que trabalhei, na cidade de Manaus. Como de rotina, realizava meus exames de ultrassonografia vascular quando, súbito, entrou na sala uma fiscal da ANVISA arguindo-me com a empáfia peculiar aos funcionários públicos afetados pela síndrome do pequeno poder:

__Cadê a papeleira? Perguntou.

__Aqui ao meu lado. Respondi apontando para o objeto.

__E as perneiras da maca?

__Aqui são desnecessárias. Não realizo exames ginecológicos.

Ela anotou algo e calou-se por um tempo até que eu decidi interromper o silêncio:

__Senhora fiscal, eu trabalho também no hospital 28 de Agosto. Como a senhora sabe, trata-se de um hospital público. Lá não há papeleira, nem perneiras na maca. A senhora já fiscalizou o estabelecimento?

A constrangedora pergunta surpreendeu-a de tal forma que a expressão de arrogância desfez-se-lhe na tez. No entanto, ela driblou o desconforto da maneira que melhor sabia:

__Sou apenas uma funcionária, doutor. Cumpro ordens.

O “cumpro ordens” desculpa o fato de o Estado não prover o que cobra dos estabelecimentos privados. Assim seus agentes esquivam-se quando alguém lhes dá um aperto.

Que o caso Filó abra os olhos de muitos. Que o leitor aprenda: o Estado não tem o dever de prover-lhe saúde, é você que tem o dever de aceitar a saúde que o Estado oferece. O Estado não tem o dever de dar educação aos seus filhos, é você que tem obrigação de aceitar a educação que lhes presta o Estado.

Não acredita? Experimente tirar seus filhos da escola e ensiná-los a ler e escrever você mesmo. Não pode! Você irá para a cadeia. Afinal, milhares de professores ineptos precisam legitimar seus holerites, ainda que você ensine seus filhos melhor. Entenda: o sistema não se preocupa com a educação das crianças, mas com os salários dos seus mestres e funcionários.

O sistema existe para proteger a si próprio, não à população, portanto, sempre toma os caminhos mais curtos, pega atalhos, usa a lei do mínimo esforço, evita riscos. Diante disso se veem alguns juízes esculachando empresários em audiências trabalhistas e outros baixando a cabeça a membros do PCC que os ameaçam em pleno tribunal. Gritar com trabalhador e empresário não gera perigos desnecessários. No fundo, juízes sabem que o aparato estatal atrás do qual se escondem não lhes garante tanta segurança.

Entendeu por que nunca se ousou confiscar as girafas e hipopótamos da fazenda Nápoles? Claro! Tratava-se de propriedade de Pablo Escobar. Apesar sanguinário e terrorista, às vezes dá prazer saber que o narcotraficante falava na cara de chefes da polícia: “coma mierda!”. O homem pôs o Estado colombiano de joelhos. Por esse motivo suas peripécias encantam pessoas até hoje.

Quem nunca teve vontade de mandar o Estado às favas? Ver magistrado afinar para traficante em plena corte gera um certo prazer no ego que o superego reprime. Afinal, se trata de um bandido, mas bandido impõe respeito. Trabalhador não.

O estamento burocrático evita problemas. De fato, mais atrapalha que ajuda. Não raro prejudica os próprios segmentos sociais oprimidos que jura defender. Assim se dá com as mulheres, cada vez mais afetadas pelas leis oriundas de agendas feministas e com os trabalhadores, sempre lesados por uma CLT que garante nada mais que baixos salários e desemprego.

Caso contrário, não haveria tantos fugindo da legislação trabalhista e procurando ganhar mais no Uber ou no Ifood. Entendeu por que o novo governo quer regulamentar aplicativos de entregas e transporte? Entendeu por que as empregadas domésticas preferem trabalhar como diaristas em vez de ter carteira assinada?

Distanciar-se da tutela estatal soa como andar fora da lei. Vira-se bandido, só que sem o respaldo das facções organizadas e fortemente armadas. A esses intrépidos cidadãos, agentes do Estado enfrentam sem dó, ao mesmo tempo que pisam em ovos ao lidar com membros do Comando Vermelho.

Hienas não caçam leões, apenas roubam comida de predadores menores e solitários. Enfrentam leões somente quando em maioria absoluta. Covardes! Prendem homens desempregados que não conseguem pagar pensão aos filhos mesmo quando as mães trabalham, condenam maridos que não querem as esposas saindo sozinhas com short socado, mas devolvem o helicóptero do chefão do PCC. Pusilânimes! Hienas!

Enquanto se riem e fartam-se do que lhe extorquiram por meio de impostos, você vive trancafiado em casa, atrás das grades. Por isso seus filhos escrevem tão mal, não há dipirona nos hospitais do SUS e o desmatamento na Amazônia bate um recorde atrás do outro. Mas, no juízo das hienas, a culpa é da Filó. Prendam-na!

André Paschoal é médico e escritor.

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HERÓIS SEM NENHUM CARÁTER

Neste centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, falar sobre Mário de Andrade tornou-se questão obrigatória em qualquer meio intelectual. O nome do escritor remete, quase invariavelmente, ao seu principal personagem: Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.

Há semelhanças entre os anos de 1922 e o atual: ambos passaram por crises políticas. Em 1922, Arthur Bernardes herdou os efeitos da recessão econômica da década de 20 e o consequente ocaso do poder dos cafeicultores. O incipiente processo de industrialização, como de praxe, levou à criação do Partido Comunista, responsável por greves que eclodiam aos borbotões em São Paulo e Rio de Janeiro.

Bernardes também enfrentou o Movimento Tenentista, revolta militar que, entre outras reivindicações, questionava a idoneidade do processo eleitoral e exigia o voto secreto. O então presidente conteve o conflito com mãos de ferro, abusando da censura aos meios de comunicação e limitando liberdades individuais.

Em 2022 temos um presidente de formação militar que contesta a lisura do processo eleitoral e cujos asseclas vêm sumariamente sofrendo com censuras e prisões por ordem das cortes supremas. Só mudou um pouco a exigência: voto impresso auditável. A ameaça comunista voltou a assombrar, com a eleição de Lula, ex-líder sindical e um dos fundadores do Foro de São Paulo—atual Grupo de Puebla—órgão responsável por alçar ao poder governos socialistas em praticamente todos os países da América Latina. Trocaram-se as cartas, não o baralho.

Situações de instabilidade servem como terreno fértil para o aparecimento de heróis. Seis anos após a Semana de 22, Mário de Andrade criou o representante mais icônico do povo brasileiro. Individualista, preguiçoso e dado aos prazeres carnais, Macunaíma agia como bem queria, sem preocupar-se com absolutamente nada. Além do mais, esbanjava vaidade e mentia com a maior desfaçatez.

Macunaíma, interpretado pelo ator Grande Otelo.

No decorrer da história, outras adversidades políticas e econômicas eclodiram. Os heróis, todavia, sofreram pouca modificação. Seguem como espelho do povo que os cria e recria ao longo dos tempos. Em 1985, ia ao ar a terceira novela de maior audiência da história da televisão brasileira: Roque Santeiro. O autor Dias Gomes tirou Macunaíma das páginas e colocou-o nas telas da TV. Roque reencarnou o famigerado herói: tão mau-caráter quanto. Dado como morto ao lutar contra o bandido Navalhada, que queria roubar o turíbulo de ouro da igreja, Roque foi eleito santo, não pela Cúria Romana, mas pelo povo.

Tudo corria bem na cidade. Atribuíam-lhe até milagres. Só que, dezessete anos depois, surpreendentemente, ele voltou à cidade natal—mais vivo que nunca—e contou a verdade a um grupo de poderosos que se mantinha às custas da imagem do “mártir”: o prefeito Florindo Abelha, o latifundiário Sinhozinho Malta e a viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido (Malta falsificara uma certidão de casamento entre Roque e Porcina depois da morte do “santo”). As primeiras peças do dominó começavam a cair. Roque Santeiro furtara a igreja, não Navalhada. Nem mártir, nem santo. Ladrão e mentiroso, isso sim. Algo familiar?

Roque Santeiro, interpretado pelo ator José Wilker.

Cem anos depois da Semana de 22, um ex-presidiário volta à presidência nos braços do povo, prometendo churrasquinho e cerveja. Depois de desviar milhões dos cofres públicos, de comprar votos de parlamentares e de manipular a tudo e a todos em favor do próprio partido, lá está ele de novo: o herói das massas, o pai dos pobres. Macunaíma e Roque Santeiro devem rir-se ao vê-lo triunfante, alçado à santidade em troca de picanha.

Contra Lula, disputou o cargo presidencial aquele que, um dia, chamaram de mito: o intrépido cavaleiro da esperança, que combateria o sistema perverso. Bolsonaro, no entanto, demorou a perceber que, no Brasil, só de dança conforme a música. Por isso, o ex-militar lembra mais o personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, que um paladino salvador da pátria. Dom Quixote, sim, tinha caráter, mas lutava contra moinhos de vento, oponentes demais robustos para combater-se sobre um cavalo e portando apenas uma lança. Com Jair Bolsonaro, deu-se o previsto: o sistema moeu-o como a frágeis grãos de trigo.

Dom Quixote, o amante das causas perdidas.

Imprensa, Congresso, funcionalismo público, Poder Judiciário, esfera cultural, meio artístico, universidades, movimentos de rua, youtubers e hordas de parasitas do Estado uniram-se contra o quixotesco herói brasileiro. Todos se levantaram contra o “mito”, obrigando-o a render-se ao sistema, ou nem terminaria o primeiro mandato. Um segundo, no entanto, jamais se lhe concederia. Macunaíma precisava voltar, de forma descarada, cheio de promessas vãs: remédio, moradia, cultura, saúde, picanha, cerveja. Tudo grátis! Nada de combater o sistema, só de alimentá-lo.

Tamanho cinismo chega a envergonhar. Como explicar Macunaíma ao incorruptível Mickey Mouse? Como explicar Roque Santeiro ao Súper-Homem, aquele que nunca mente? Povos distintos, heróis diferentes. Talvez por isso haja tantos macumaímas querendo viver na terra do Mickey. Nos Estados Unidos as coisas funcionam porque a moral, da qual se zomba por aqui, respeita-se por lá.

Em solo tupiniquim, onde impera a Lei de Gérson, um busca levar vantagem sobre o outro. Há muito malandro para pouco mané. Não esperem por um salvador. No Brasil há criptonita demais para a sobrevivência de súper-homens. Aqui, Macunaíma vira rei; Súper-Homem, Dom Quixote.

André Paschoal é médico e escritor.

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QUANDO A DEMOCRACIA AMEAÇA A LIBERDADE

Quem tem acompanhado os últimos acontecimentos relacionados ao setor editorial brasileiro, pensa ter voltado trinta e cinco anos no tempo. Há poucos dias, o TSE simplesmente proibiu a emissora Jovem Pan de proferir determinadas palavras durante as programações. Para garantir o cumprimento da norma, um funcionário estatal postava-se qual agente soviético diante de jornalistas atônitos, fiscalizando-os abertamente.

Emitiu o voto de Minerva, em favor à medida, a ministra Cármen Lúcia. Com voz hesitante, em tom quase envergonhado, ela expôs a sentença em favor ao relator Alexandre de Moraes, embora desse a entender, nas entrelinhas, que se tratava de censura prévia.

A medida justificava-se, no entanto, pela existência de ameaças à democracia, visto que a emissora vinha, supostamente, tumultuando o processo eleitoral. Passadas as eleições, tudo voltaria ao normal: o Brasil teria de volta o discurso livre.

O presidente do PTB Roberto Jefferson, preso também por atos antidemocráticos e já cumprindo pena domiciliar, ousou discordar do voto da ministra. Por gozar de liberdade condicional, o político não poderia publicar em redes sociais. Em arroubo de cólera, no entanto, descumpriu a ordem e comparou a ministra, ora com uma bruxa, dada a sua aparência, ora com uma meretriz jurando castidade, uma vez que a magistrada teria rasgado a Constituição outras vezes.

De fato, o artigo 5º da Constituição Federal, no inciso IV, garante livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Já o inciso IX diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

O que se cometeu contra a Jovem Pan, entretanto, trata-se de algo bem mais grave: censura prévia em nome da democracia. Haveria paradoxo maior? Eis o motivo da revolta do petebista Roberto Jefferson, que culminou com um dos maiores desastres políticos da história nacional: o ex-deputado mensaleiro reagiu à voz de prisão e atirou granadas contra os policiais federais designados a cumprir o mandado.

Ele errou? Decerto. Poder-se-ia, contudo, evitar o incidente cortando-se o mal pela raiz no exato momento em que se instaurou o disparatado inquérito contra ele, mandando a Constituição às favas. Mas a democracia falou mais alto. Nada mais justo do que punir condutas ditas antidemocráticas com censura e prisão, não é mesmo?

Assim como a Jovem Pan, o Brasil Paralelo passou por algo parecido. O canal veicularia um documentário no YouTube sobre o atentado à faca contra Jair Bolsonaro em 2018. O TSE, usando a mesma prática de censura prévia, proibiu o canal de publicar a matéria até o final do pleito, sob a estapafúrdia justificativa de que ela poderia influenciar eleitores.

Ora, mas não se trata disso uma campanha política? A que esta serviria se não para influenciar eleitores? A censura do TSE simplesmente condena a alma da política ao limbo e—pasme—tudo em nome da democracia!

Em verdade, os flertes dos tribunais superiores com a censura não vêm de hoje. Em 2020, prenderam o jornalista Oswaldo Eustáquio por manifestações antidemocráticas. Segundo o órgão acusador, que, aberrantemente, também atua como julgador, Eustáquio comportou-se de forma radical ao pregar fechamento do Congresso e do STF, apesar de inexistirem quaisquer vídeos ou textos dele com publicações nesse sentido.

Também há indícios de tortura no caso. Ele refere ter apanhado até “apagar” em uma cela da Papuda. Provas não há, mas o fato é que o periodista entrou na cadeia andando e saiu de lá paraplégico.

O também jornalista Welington Macedo de Souza teve prisão decretada pouco antes das manifestações de 7 de setembro de 2021 pelos mesmos motivos. Wellington, atualmente em prisão domiciliar e com tornozeleira eletrônica, não pode publicar em redes sociais por ordem judicial. Tampouco há quaisquer vídeos ou textos em que ele prega o fechamento do STF, apenas reportagens nas quais revela as dimensões que teriam as manifestações do dia da independência.

O pior dos casos, o do deputado Daniel Silveira, chocaria até agentes do Partido Comunista Chinês. Preso em 2021, por ordem de Alexandre de Moraes, sob alegação de apologia ao AI-5 e de críticas mordazes aos ministros da Suprema Corte, foi sentenciado a 8 anos e 9 meses de prisão em regime fechado a 20 de abril de 2022, por atos antidemocráticos, prática de agressões verbais e ameaças contra ministros do STF, além de incitar a animosidade entre as Forças Armadas e a Suprema Corte. No dia seguinte, recebeu indulto do Presidente Jair Bolsonaro, o que estremeceu relações entre os dois poderes.

Vale ressaltar que deputados gozam de imunidade parlamentar para articular qualquer tipo de pregação. Entretanto, para os deuses de toga, sempre vale quebrar uma regrinha e restringir algumas liberdades em nome da democracia.

Houve outros abusos: a ativista Sara Winter, o jornalista Allan dos Santos, o cantor Sérgio Reis, o caminhoneiro Zé Trovão, todos receberam ordens de prisão expedidas por Moraes. Allan exilou-se nos Estados Unidos; Zé Trovão, no México; Sérgio Reis escapou por pouco; Sara Winter não teve a mesma sorte. Não há limites à lei da mordaça, desde que ela amordace em nome da democracia.

Em 2021, por exemplo, o TSE mandou desmonetizar quatorze canais do YouTube por colocarem em dúvida a lisura do processo eleitoral. Segundo o tribunal, somos obrigados a crer na sacro-santidade das instituições. A última vítima do TSE foi o Brasil Paralelo, desmonetizado há poucas semanas. Enfim: quem ousar duvidar da idoneidade de qualquer corte judiciária, deve ser calado ou, até mesmo, preso. Democrático, não?

O grande risco de um sistema opressor quase onipotente encontra-se no efeito rebote. Quanto mais oprime, mais reações de intolerância e até de violência provoca. Vide a atitude de Roberto Jefferson.

O próprio Lula, candidato a presidente que prega explicitamente o controle dos meios de comunicação, disse orgulhar-se de ter apoiado a revolução sandinista na Nicarágua, que depôs o ditador Anastasio Somoza Debayle. De fato, caiu uma ditadura de mais de cinquenta anos.

O petista só desconsidera que, atualmente, a população nicaraguense sofre os efeitos de um totalitarismo ainda mais ferrenho, sob o comando do socialista Daniel Ortega, cujo regime persegue opositores, prende religiosos e cerceia a liberdade de expressão como nunca dantes. Enfim… um governo opressor possibilitou o aparecimento de outro, só que em sinal contrário. Grande vantagem!

Razão têm os americanos, que permitem até passeatas de grupos nazistas em bairros judeus. Você não leu errado! O Estado norte-americano não criminaliza nenhum tipo de discurso, por mais sórdido e abjeto que soe. Nazistas organizam passeatas livremente nos Estados Unidos. O nazismo lá cresceu? Não! Pelo contrário. A democracia fortalece-se cada vez mais em território yankee, porque os americanos sabem que o melhor meio de combate a ideias alicerçadas no ódio e na intolerância é deixar que seus asseclas falem. Eles que revelem o quão ignóbeis são. As pessoas percebem.

Se as cortes operam sob a égide do combate às fake news, que não interfiram. Deixem que se estimule a contenda com argumentos e contra-argumentos. Censura, jamais! Se apenas um lado separa o joio do trigo, não demora a reaparecer o joio, só que, agora, com o selo estatal de trigo puríssimo. A mentira inserida no discurso único toma aparência de verdade. Assim se edifica o pior de todos os cárceres: o das ideias.

Pluralidade de pensamentos constitui a viga mestra da democracia. Censurar o contraditório, tanto por meios legais quanto pelos tais cancelamentos politicamente corretos, tão em voga nos últimos anos, incentiva o discurso único. O discurso único, por sua vez, favorece o partido único, não importam quantas agremiações existam. Vivemos isso há pouco no Brasil: um sem-número de siglas compondo uma única ideologia: o socialismo.

Não nos esqueçamos de que o cerceamento da liberdade de expressão durante os governos militares da América Latina constituiu o principal estímulo à propagação de ideias de esquerda no continente, ideias essas que hoje dominam as universidades, as escolas, o meio artístico, os veículos de comunicação e boa parte do funcionalismo público. O efeito rebote, invariavelmente, chega com mais furor.

Enquanto os americanos gozam de liberdade irrestrita de expressão, graças à primeira emenda constitucional, por aqui, nossas instituições insistem em reprimir. Provoca medo até pensar nas possíveis consequências, em caso de derrota de Jair Bolsonaro nestas eleições. Basta um grupo de malucos, a exemplo de Roberto Jefferson, julgar ter havido prejuízo da candidatura bolsonarista devido a medidas restritivas da Suprema Corte Eleitoral.

Nos dois meses antes da passagem da faixa presidencial, pode haver uma nova versão da invasão do Capitólio em terras tupiniquins, ou coisa pior. Se algo nesse sentido ocorrer, que os ânimos acalmem-se logo. Afinal, a ministra Cármen Lúcia garantiu que o período de exceção terminará no dia das bruxas…Para quem nelas acredita, claro.

André Paschoal é médico e escritor.

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PROCURAM-SE CEGOS

Assim que me mudei para o Adrianópolis, apesar de residir no décimo sexto andar, passou a incomodar-me o ruído intermitente de um sinal de pedestres, instalado logo abaixo do meu prédio. Até hoje, a cada dois ou três minutos, ele dispara.

Pensei em qual seria a função do som desagradável, já que, para atravessar a rua em segurança, basta olhar as luzes. Na vermelha, espera-se; na verde, avança-se.

Inconformado, tentei mobilizar moradores a protocolar um requerimento na Prefeitura de Manaus, visando abolir o toque do sinal. Pouco tempo depois, descobri que era impossível. O apito destina-se aos deficientes visuais.

Passei a observar o semáforo toda vez ouvia o silvo azucrinante. Há três anos faço isso. Não vi, até agora, nenhum cego utilizando-o. Aliás, se algum aparecer, duvido que tenha suficiente confiança nos nossos educados motoristas, a ponto de arriscar-se a cruzar a via ao ouvir um mero toque.

Acendi um charuto e pus-me a divagar. No país dos direitos máximos, para que uma pessoa especial beneficie-se de um semáforo adaptado, milhares de ordinárias prejudicam-se pelo ruído dele. Isso teria simples solução: bastaria alguma alma caridosa ajudar o cego a atravessar. Caridade individual, todavia, não dá votos. Votos precisam de barulho.

Sabendo disso, um vereador manauara, recentemente, aprovou o projeto que dá direito a pacientes idosos de receberem medicamentos em casa. Escusado mencionar a necessidade de amplo e dispendioso aparato estatal para que isso se concretize. Quem paga a conta? Os ordinários.

Nenhum filho dispõe-se a buscar o medicamento dos pais? Nenhum neto o dos avós? Certamente sim. No entanto, esse tipo de ação invisível tiraria o respaldo do projeto. Melhor abafar os contras e divulgar somente os prós nos megafones da mídia. Políticos ganham notoriedade à custa de concessão de privilégios.

Por isso brotam cada vez mais vagas preferenciais em estacionamentos: gestantes, idosos, deficientes e, agora, autistas. Dá até desânimo ir aos shoppings centers e observar uma infinidade de vagas especiais vazias. Resta aos ordinários rodar, rodar e rodar.

Diante da gama infindável de direitos que o Estado outorga a certas minorias, aos ordinários, cheios de deveres, resta reivindicar ingresso no rol dos especiais. Já os especiais, vendo cada vez mais ordinários invadindo-lhes a sala, exigem mais direitos. Querem tornar-se súper-especiais. Idosos, por exemplo, têm prioridade nas filas, mas os acima de oitenta anos têm prioridade sobre os demais. Prioridade da prioridade.

Claro que alguns privilégios são justificáveis, apesar de haver sexagenários com mais vigor físico que muitos trintões. E não são poucos. Difícil é mofar nas salas de espera, diante de alguma tevê, e assistir a gestantes sambando na Marquês de Sapucaí, enquanto outras passam na nossa frente. Nessas horas, dá vontade de ingressar no grupo especial.

O anseio dos ordinários impulsiona parlamentares a aprovar novos projetos. Direitos tornaram-se moeda de troca política, por isso, multiplicam-se de tal forma que o país virou um verdadeiro hospício a céu aberto.

Constatei isso ao abrir o jornal e topar com a notícia estapafúrdia: tramita no Senado um projeto que impede a comercialização de fogos de artifício com estampido, visando proteger animais domésticos e autistas. Ambos têm baixo limiar para barulho, mas… Valei-me, Deus! O mar não está mesmo para os sãos.

Dobrei o tabloide, passei um café e segui fumando. O sinal pipiou de novo. Se irrita a mim, imagine a um autista. Mas… como assim? Que insanidade a minha! Os cegos precisam atravessar. Olhei para baixo. Não era um cego. Mas poderia ser. Qual dos dois mereceria mais a súper-especialidade? Torço pelos autistas nessa. Quem sabe tiram essa bodega de lá? Pensadores como eu gostam de silêncio. E silêncio anda cada vez mais escasso em nossos dias. Tanto que…

Mal cessou o apito, uma ambulância passou aflita. Pobres autistas! Deveríamos proibir, também, as sirenes? Até poderíamos, entretanto, cairíamos em outro problema: como abrir passagem sem um meio de avisar aos motoristas que, dentro da viatura, há um ser humano precisando de cuidados urgentes? Quem vale mais: autistas ou acidentados?

Sorvi um gole de café e soltei outra baforada. O charuto queimava as últimas folhas. Olhei a espiral de fumaça. Lamentei por não poder fumar em nenhum café, bar ou restaurante do Brasil. Há leis que proíbem o fumo nesse tipo de estabelecimento, enquanto outras permitem animais domésticos. Cheguei a ver pets até sobre as mesas. Irônica era! Tapete vermelho a animais, cartão vermelho a humanos.

Apaguei o charuto. O tempo começou a fechar. Já caia fina chuva. Encostei a vidraça da varanda quando, súbito, retumbou um trovão. Quase pus o coração pela boca. Se eu fosse um cãozinho, teria morrido. Como São Pedro pode ser tão insensível com animaizinhos indefesos?

Do jeito que as coisas andam, não demorará muito para o Ministério Público mover ação contra o santo. Um juiz dará dez dias para que ele pare de mandar chuvas com raios e trovões, caso contrário, pagará muito caro, quiçá crucificado de novo. E de cabeça para baixo! No manicômio tupiniquim, não há mais nada impossível.

André Paschoal é médico e escritor.

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Seja bem vindo

Você está na Rua Direita

Aqui se encontra o inconsciente coletivo do povo brasileiro: moral judaico-cristã, livre iniciativa, livre associação, direito à propriedade, valorização do indivíduo.

A menor minoria do mundo é o indivíduo.

—Ayn Rand

Rua Direita foi criada como página de humor político no Facebook em 2013, pelo médico e escritor André Paschoal.

O Brasil vivia o auge do governo socialista, com Dilma Rousseff no poder e o Estado inteiro aparelhado pelo Partido dos Trabalhadores. A imprensa, até então beneficiada pelo governo, pouco o criticava.

Rua Direita nasceu da necessidade do contraditório, uma vez que os discursos liberal e conservador haviam desaparecido da mídia brasileira.

Usando predominantemente imagens com textos curtos, conhecidos vulgarmente como “memes”, a página obteve sucesso imediato. No ano de 2021 ultrapassou 320 mil seguidores só no Facebook.

No Instagram, a página ultrapassa 70 mil inscritos. Também segue a todo vapor o canal homônimo no YouTube, onde André Paschoal posta vídeos explicativos, com linguagem clara e de fácil compreensão.

A finalidade deste blog é divulgar, em momento mais que oportuno, o talento de André Paschoal também como escritor.

Esperamos que seja do agrado de todos.

O SONHO NÃO ACABOU

Não é o fim do caminho. Embora tantos vistam luto, tantos chorem, tantos desanimem, tantos se desesperem, tantos percam o orgulho pátrio, não é o fim do caminho.

Confesso ter arrumado as malas. Já as desfiz. Também me decepcionei, mas me bateu súbito orgulho no peito, uma jactância não ufanista, não onírica, não fantasiosa, mas viva, mas nítida, mas verdadeira que me levou a permanecer por aqui.

Senti-a assim que lembrei de tantos que se mobilizaram, tantos que lutaram, tantos que procuraram informar-se e formar opiniões, tantos que se uniram em torno de uma esperança, de uma crença em um futuro melhor para o nosso país.

Orgulho-me dos que se dispuseram a propagar ideias novas, dos que chamaram mais gente, que agregaram, que debateram, que tomaram as ruas, que se deslocaram quilômetros para votar e mesmo daqueles que simplesmente se dignaram a comentar uma simples publicação nas redes sociais. Não há como medir a contribuição dessa gente. Inestimável.

Vivemos tempos difíceis. Descremos nas instituições, desconfiamos do mercado, tememos empreender, duvidamos da correção do caminho.

Não se engane, contudo. Não há dois barcos. Navegamos no mesmo, embora divididos. Sabemos que um pouco mais de peso a estibordo ou a boreste pode virá-lo e que se apenas um dos lados remar, perdemos o norte. O mar anda revolto. Tempos difíceis.

Cabe a nós ter força nos braços, coordenar movimentos, encher os pulmões e encorajar os que param, os que perdem a passada, os que desanimam, os que têm medo.

Quem não pode remar, que limpe o convés; quem não pode limpar, que cozinhe; quem não sabe cozinhar, que tome a bússola; quem se orienta mal, que pesque o almoço. Não chegaremos a lugar nenhum, no entanto, se a maioria não se mexer.
Já tarda demais a mudança dos ventos. Urge uma nova mentalidade: a da política como arte do possível, não como utopia.

O preço da plena igualdade paga-se, geralmente, com miséria e muito sangue. Quando um sistema ganha em igualdade, perde em eficiência e—mais ainda—em liberdade. Por outro lado, quanto mais livre e eficiente o sistema, mais desigual. Cabe-nos buscar o equilíbrio e lutar por ele.

Eu tenho um sonho. Imagino uma imensa classe média na base da pirâmide. Tenho absoluta convicção de que não se trata de devaneio tolo. Podemos consegui-lo, desde que haja fomento à livre iniciativa, estímulo ao investimento e ao empreendimento, combate a oligopólios, diminuição da máquina estatal e de suas burocracias que impedem a livre concorrência.

Deixemos os ricos em paz com seus ternos Armani, seus charutos Montecristo, seus champanhes Perignon. Que haja pobres também, mas poucos, e que vivam com dignidade.

Tenho como quimera uma imensa classe média instruída, bem alimentada, empregada, sadia e—por tudo isso—feliz.

Temos um país lindo, um povo alegre e pacífico. Possuímos recursos naturais de que poucos no mundo dispõem. Falta-nos o ímpeto do desenvolvimento, sempre frustrado por governos populistas, por caudilhos, por um capitalismo de compadrio ora tendendo à direita, ora à esquerda, mas nunca liberal ou plenamente democrático.

A mudança parte de nós! Cabe-nos protestar, fiscalizar, discutir, gritar, bater o pé, mas nunca com violência, nunca atentando contra a ética ou a democracia, mas unindo, mas aproximando, mas compreendendo, mas amando, mas derramando suor e lágrimas em vez de sangue.

Que Deus abençoe o povo brasileiro e que dê aos seus governantes sabedoria e humildade para retomar o caminho da virtude. Que os incentive a unir o que segregaram, a apascentar o que exaltaram e a estimular o que acomodaram.

Não perdemos a luta. Metade do país manifestou desejo de um caminho diferente de todos os outros tomados desde 1822. Não nos empenhamos em vão. Milhões de eleitores deixaram bastante claro que a nação não pertence a um partido ou a um foro internacional. O Brasil sempre foi e sempre será dos brasileiros.

André Paschoal é médico e escritor.

FÚRIA DE TITÃS

A civilização ocidental, assim como qualquer outra de que se tem notícia, construiu-se fundamentada em três pilares: religião, língua e alta-cultura.

O senso-comum encara o juízo normativo judaico-cristão como oriundo de uma mente invisível controladora e autoritária. Engana-se. Tal juízo nasce da moral individual.

O homem já tinha em mente, por exemplo, que não devia matar, roubar ou cobiçar coisas alheias muito antes de Moisés receber as tábuas da lei. Ética e moral não vêm do espaço, mas de nós mesmos, da nossa intuição. E do ventre delas nasce a doutrina de toda nação.

Diga-se o mesmo da alta-cultura. Não é imposição de uma casta extra-humana, que regula padrões estéticos e diretrizes científicas. Pelo contrário, os padrões estéticos da sociedade e suas necessidades é que criam os pensamentos artístico e científico.

A língua comporta-se de maneira semelhante. Emana do povo e o povo cria normas que a regem, para que ela se universalize e possa ser compreendida pela maioria. Não fosse a norma—que chamamos de gramática—haveria uma miríade de dialetos, impossibilitando a comunicação além dos limites de pequenos clãs.

Em suma, religião forma-se a partir da moral que nos é inerente, a partir de crenças, medos, anseios, dúvidas, necessidades, senso de justiça e, por conseguinte, serve de matéria-prima às leis. Não há lei sem ética que lhe sirva de alicerce.

A alta-cultura transforma ética e moral em arte e ciência, depois as universaliza e aperfeiçoa-as. A língua permite que sejam compreendidas e registradas para as gerações vindouras. Assim se criou uma moral judaico-cristã duradoura, derivada de nós mesmos.

Agora suponhamos que algum monstro quisesse destruir a civilização ocidental para que, de maneira diferente, pudesse criar outra do nada. De que modo deveria agir? Simples: derrubando os três pilares.

O monstro—pasme— existe! Emana das trevas, embasado no pensamento de Antonio Gramsci e dos filósofos da Escola de Frankfurt. São esses os vetores que, atuando no mesmo sentido, vêm corroendo o cerne das três estruturas que nos sustentam como civilização.

Trata-se de uma forma deliberada de desconstrução—já em estágio avançado—atuando como um vírus que, além de agredir, combate mecanismos de defesa.

Mas como ele atua? Que estratégia utiliza? Inversão de polos. Leva as pessoas acreditar, por exemplo, que existe uma entidade despótica controlando-as, impedindo-as de praticar sexo livre, de se drogar, determinando gostos e necessidades, tornando-as escravas de padrões estético-científicos, gerindo a forma por meio da qual devam expressar-se ou comportar-se e, principalmente, levando-as a ignorar que os três pilares originam-se dos seus próprios valores.

A humanidade, por assim dizer, rebela-se contra a moral que ela mesma construiu ao longo de séculos, passando a combatê-la num suicídio coletivo.

Assassina a gramática, acusando-a de excludente, quando na verdade ela inclui; ridiculariza a arte, acusando-a de elitista, sendo que ela emana do povo; lança a ciência ao descrédito, quando na verdade ela deriva das necessidades humanas.

Todavia, o mais impressionante nesse titã voraz são os agentes que ele recruta. Quem, por exemplo, receberia a missão de destruir a arte? A própria arte (do dadaísmo ao funk carioca isso se torna cada vez mais nítido). Quem se responsabilizaria pela desconstrução da religião cristã? A própria religião cristã (vide o embate ideológico entre católicos e evangélicos, enfraquecendo-a dia a dia). Quem seria responsável pela desagregação da ciência? A própria ciência (afinal, de que se trata a militância da medicina alternativa “do bem” contra aquela “do mal” que recebe a alcunha de alopata?).

Assim age o titã. Inverte os valores. Religião vira imposição da igreja; língua, determinação de gramáticos; arte, estipulação de uma elite cultural; ciência injunção de uma indústria mercantilista.

Isso feito, lança pseudópodes, toma os meios de comunicação, a comunidade científica, a esfera política, a universidade, fazendo com que, além de destrutivo, retroalimente-se e cresça até a imortalidade. Quando isso ocorrer, dar-se-á o óbito da nossa civilização, restando-nos, ou reiniciá-la do zero, ou verter lágrimas sobre o seu túmulo. Nada mais.

Manaus, 06 de setembro de 2014.

André Paschoal é médico e escritor.

ENQUANTO A CANARINHO VAI PIPOCANDO, AS PIPOKINHAS VÃO “MITANDO”.

Na semana passada a seleção brasileira passou por mais um vexame ao perder de virada para o Senegal. O derrota por 4 x 2 em terras lusitanas indica algo? Certamente.

Há pouco, o ponta Vinicius Jr. sofreu com mais um caso de racismo na Espanha. O episódio choca. As reações do jogador, no entanto, desanimam.

Imagino o baixinho Romário passando pelo mesmo. Certamente marcaria dois gols e, com o indicador sobre os lábios, mandaria a torcida adversária calar-se. Vinicius Jr. apenas chorou.

Vitimismo gera fracassos. Enquanto nossos boleiros mantiverem o caricato nasci-pobre-coitadinho-passei-fome-na-favela, levarão um chocolate atrás do outro. Ou pensam que os senegaleses comeram filé mignon na infância?

Luka Modric passou por situações assaz piores na guerra de independência croata: presenciou o assassinato do avô, passou fome, jogou bola sobre destroços de bombardeios. Não por isso se vitimiza.

Já o nosso craque, sempre que leva um chega-para-lá da zaga, cai e reclama com o juiz. Parece um bebê chorão. Quiçá atacasse como o argentino Julián Álvarez, que penetrou a defesa adversária no peito e na raça, marcando importante tento para a classificação da Argentina à final da copa de 2022. Dói mesmo saber que nossos jogadores têm muito mais talento que Álvarez, só não têm a mesma garra.

O velho brio brasileiro repousa no berço esplêndido do passado. Heróis, que outrora não fugiam à luta, hoje se comportam como crianças mimadas. Eu quero! Eu quero! Eu quero! Se não me der, atiro-me ao chão, grito, choro, faço o diabo.

Não por acaso, hoje em dia, muito casamento vira relacionamento tóxico; fiu-fiu vira assédio; repreensão, agressão contra o menor; discussão em casa, violência doméstica. E quase tudo acaba na mesa do juiz, como se, a cada vez que Neymar caísse em campo, o árbitro devesse apitar. E apita!

Um simples debate acalorado no plenário da Câmara dos Deputados já se transforma em machismo, se porventura ocorra entre parlamentares de sexos opostos. Em caso de diferença de gênero, converte-se em homofobia. Tanta frescurinha inviabiliza a própria política.

E o chororô empata o Brasil. Meninos não ganham guerras, homens sim. A vida, como o futebol, são batalhas renhidas. De um país onde homens viraram mulheres e mulheres, crianças, pouco se pode esperar, tanto na vida, quanto nos gramados.

Cotas em universidades não produzem prêmios Nobel, obrigar partidos a lançar candidatos do sexo feminino não melhora a política, contratar funcionários apenas pela orientação sexual não acarreta mais lucros.

Lembro-me de um episódio que se passou comigo no Aeroporto Internacional de Manaus. Uma senhora, visivelmente europeia, assomou ao balcão da Latam falando bom inglês, apesar do sotaque germânico. O atendente, com trejeitos notadamente efeminados, não conseguia comunicar-se com ela. Só houve entendimento quando me dispus a ajudá-los.

Triste realidade: funcionário de empresa aérea não domina o inglês. Admitiram-no apenas pela opção sexual, não pela capacitação? Talvez. O medo da onda de cancelamentos, às vezes, causa esse tipo de problema. Assim o país vai travando.

A maior emissora de televisão brasileira também se rendeu à tal cultura woke. Renovou o quadro. Inventou até de colocar voz feminina estridente para narrar futebol. Apesar das reclamações da maioria dos telespectadores nas redes sociais, a Globo manteve a narradora. Demissão traria riscos desnecessários.

A diretoria da empresa conhece bem o grau de organização das hordas revolucionárias. Paga o pato quem gosta de futebol, ou seja, a maioria dos brasileiros, gente sem tempo para organizar-se politicamente, porque trabalha de segunda a sábado e quer, pelo menos, torcer pelo seu time no domingo sem precisar colocar a tevê no mudo.

A narradora justificou as inúmeras críticas da maneira mais previsível: “não é pela narração, é porque eu sou mulher”, da mesma forma que o tal atendente da Latam justificaria uma possível recusa de contrato: “não é por incapacidade, é porque sou homossexual”. A ameaça de cancelamento põe empresas contra a parede.

Até este autor já passou por algo parecido. Por tecer um comentário em redes sociais sobre o suposto caso de estupro ocorrido no programa A Fazenda, da Rede Record, em 2021, sofri tentativa de cancelamento por parte do coletivo feminista Humaniza.

O grupo mandou ofícios aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, às Defensorias Públicas da União e do Estado do Amazonas, ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas e a uma das clínicas em que eu trabalhava.

Organizações revolucionárias miram direto no sustento daqueles que desejam calar. Só não contavam que, dessa vez, encontrariam osso duro de roer como oponente. Só para constar, usei os documentos em questão como papel higiênico.

Depois descobri que o Coletivo Humaniza não humaniza nada. No Instagram da organização há várias postagens defendendo aborto. Esse pessoal posa de defensor dos fracos e oprimidos ao mesmo tempo que promove assassinato de bebês intraútero. E ousem discordar! “Diga-me verdades inconvenientes e eu chamo meu pai”. Pai Estado, claro.

Publicação pró-aborto do Coletivo Humaniza.

Pois eu ousei opinar inoportunamente. Referindo-me ao incidente no programa da Record, envolvendo o cantor Nego do Borel e a modelo Dayane Mello (que se embriagara na noite da suposta violação), escrevi que mulheres não deveriam abusar do álcool, nem vestir-se de maneira muito sensual em festinhas para evitar riscos de violência sexual. O comentário bastou para que se ativasse contra mim o gatilho do cancelamento.

Neste ano de 2023, Mc Pipokinha, queridinha das empoderadas, mandou uma bomba em um podcast: “assédio sexual é a coisa mais normal que existe. Se a pessoa não sabe lidar com o assédio, então não use roupa curta”.

Não que eu seja fã da cantora, mas a agradeço por corroborar-me o raciocínio que quase me custou o sustento. Uma mulher tão admirada pelas “lacradoras” acabou dizendo o mesmo que eu (e o mesmo que pensa a maioria dos brasileiros, embora não divulgue). Obrigado, Pipokinha.

O povo brasileiro, tão alegre alegre e brincalhão há poucos anos, com o aflorar da estulta cultura woke, transformou-se em um bando de gente mal-humorada e cheia de nhe-nhe-nhem. A repórter da Globo Sabrina Simonato, por exemplo, foi beijada em duas ocasiões, ao vivo, por torcedores estrangeiros na copa de 2014 e levou as brincadeiras na esportiva.

Quatro anos depois, na copa da Rússia, a jornalista Júlia Guimarães passou pelo mesmo, só que reagiu de maneira hostil. Em 2016, nas olimpíadas (veja só!), o noticiarista do SporTV Ben-Hur Correa foi beijado ao vivo por belas mulheres em Las Vegas.

Até que ele encarou a situação com bom humor no momento, mas depois classificou o ato como assédio. Que tristeza! O Brasil mudou tanto em tão pouco tempo! Nunca vi Sir Paul McCartney reclamar do ataque das fãs no auge da beatlemania.

Por incrível que pareça, encontram-se lampejos de salvação onde menos se esperaria. Anitta, outro ídolo feminista, em entrevista para a UOL em 2018, deixou bem claro quando perguntada se levanta a bandeira do movimento: “eu levanto a bandeira dos direitos iguais, só acho que hoje em dia tem mudado um pouco essa questão: as pessoas estão achando que é colocar a mulher acima do homem e não é. Pra mim são os direitos iguais mesmo”. Ou seja: tem postura antifeminista. Parece que as pipokinhas decidiram cuspir na cara dos wokes.

Por outro lado, no carnaval deste ano, uma gordinha metida a sexy decidiu posar de globeleza no Instagram. “Ame seu corpo”, mencionava a legenda da publicação. Ao perceber que a maioria das pessoas detestou a foto, dados tantos comentários depreciativos, a moça decidiu sair processando a torto e a direito.

Na cabeça dela, não basta sentir-se bem consigo mesma. Os outros têm obrigação de achá-la linda. Aliás, a tipa acionou na justiça até uma enfermeira que associou obesidade a doença, o que não me espanta, porque até médico que aconselha paciente obesa com dores no joelho a emagrecer tem sofrido cancelamentos.

Por falar em festa e enfermeira, a bela Bruna Marquesine, ex de Neymar, arrumou encrenca com o Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo, por posar de enfermerinha sensual no Halloween de 2021.

A atriz Bruna Marquesine vestida de enfermeira.

Em nota, a autarquia protestou: “por ser uma categoria predominantemente feminina, com mais de 80% de mulheres, a enfermagem sofre os impactos das desigualdades de gênero, o que inclui episódios de violência e assédio. Por esses e muitos outros motivos, é inadmissível que a fantasia de enfermeira, utilizada em carnavais, festas de Halloween e sátiras, continue sendo tolerada pela sociedade, sobretudo por formadores de opinião”.

Bruna Marquesine, outra queridinha das feministas, já aderiu ao movimento “Mexeu com Uma, Mexeu com Todas”, declarou diversas vezes ter sofrido assédio nos sets de gravação e, inclusive, saiu em defesa da própria Mc Pipokinha quando um rapaz tocou os seios da cantora em um show (pelo menos esta última já deixou bem clara sua opinião sobre assédio).

Em questão de minutos, a atriz passou de vítima a agressora, graças a uma simples fantasia de enfermeira. Talvez uma fantasia de médica ou de policial não causaria tanto rebuliço.

Agora imagine se uma enfermeira obesa decidia desfilar seminua no carnaval, só a título de exemplo. Ela certamente quererá que homens a vejam com olhos de cobiça. Caso contrário, preparem-se para a choradeira.

Por outro lado, feministas roliças ávidas por olhares masculinos que jamais atraíram, aderem à campanha “chega de fiu-fiu”, condenando o assédio que, no fundo do ego, gostariam de receber. Em verdade, elas não protestam por receber cantadas demais, mas por não suportarem ver as bonitinhas receberem tantos cortejos. Pura inveja!

Em São Paulo, a geração sem-glúten-sem-lactose conseguiu, por força de lei, que o Governo do Estado proibisse fogos de artifício com estampido, sob o argumento de que os mesmos assustam bichinhos de estimação. Costumo dizer que no Brasil do século XXI, cachorros não perseguem mais gatos, gatos não perseguem mais ratos, e ratos comem queijo sem lactose.

Animais da geração Nutella.

Tem até gente que não come carne sem saber se houve crueldade no processo de abate dos animaizinhos. Como se matar já não se tratasse de atrocidade, apesar de necessária. Na natureza não há clemência. Ou leões preocupam-se com a forma de predar zebras e gnus? Quem quer comer precisa matar. Simples.

Mas os señoritos satisfechos já se acostumaram com comida em abundância proporcionada pelo capitalismo. Podem dar-se ao luxo de escolher. Nem se preocupam se o excesso de regulamentações na produção de carne encarece o produto e o afasta cada vez mais da mesa dos pobres.

Nessas horas dá saudades da humorista Dercy Gonçalves. O que ela diria diante disso? “Deixa de viadagem e come logo esta merda, porra!” Dar-lhe-ia razão. Tanto coitadismo cansa. O que mais mereceria, além de um belo impropério, quem tira comida da boca dos miseráveis para defender mais “humanidade” com animais?

Esses amantes de lulus e fifis chegam ao absurdo de justificar a entrada de pets em ambientes de alimentação por, no conceito deles, andarem mais limpos que muita criança. Não raro vejo meninos famintos expulsos de restaurantes, enquanto cães e gatos sentam-se à mesa. A frase inflame “prefiro bicho que gente”, além de gramaticalmente incorreta, soa asquerosa, mas só aos ouvidos daqueles que os bonachões costumam chamar de fascistas.

Fascismo, por sinal, remete-me à tomada de Monte Castelo, em 1945. Brasileiros que um dia lutaram sob o rigoroso inverno italiano, mal armados, pouco agasalhados e subnutridos, hoje ofendem-se com qualquer sinceridade desagradável. Antes, balas feriam; hoje palavras machucam. E basta reclamarmos disso que nos incluirão no rol dos próprios fascistas que teríamos combatido na Segunda Guerra.

Professores, outra classe cheia de não-me-toques, vivem queixando-se de baixos salários, humilhações, excesso de trabalho. Vez por outra reclamam que estudam muito em troca de rendimentos muito inferiores aos de uma funkeira ou de um futebolista.

Pois pasme! Mc Pipokinha—ela de novo!—declarou em março deste ano: “para ser professora tem que amar muito a profissão, porque ouve desaforo dos filhos dos outros…e ainda receber o que um professor recebe, que é quase nada. Professor é humilhado pra c… só de ser um professor. Meu baile está R$ 70 mil: 30 minutinhos no palco, eu ganho R$ 70 mil. Ela não ganha nem R$ 5 mil sendo professora às vezes. Precisa estudar muito”.

Quase a lançaram ao ostracismo. Desmarcaram-se sete apresentações da cantora, obrigando-a pedir desculpas por proferir exatamente a mesma ladainha de todos os professores. Só que chorumela reversa não pode. Soa como humilhação à categoria.

A cada dia eu amo mais essas pipokinhas (resolvi chamar toda funkeira de pipokinha). Elas vêm exalando mais testosterona que muito ponta da seleção. Afinal, precisa-se de tanta coragem para enfrentar torcidas hostis e racistas quanto para apresentar-se seminua em um palco e resistir às esperadas investidas da plateia masculina. Por enquanto, pipokinhas sete, canarinhos um.

André Paschoal é médico e escritor.

POBRES, AVIÕES E SOCIALISMO

Uma das maiores propagandas do PT tem sido a inclusão dos pobres no transporte aéreo. Basta percorrer-se as redes sociais para, vez por outra, encontarem-se frases do tipo “antes do PT, pobre viajava de pau-de-arara; agora viaja de avião”. Ou pior: “a elite não gosta de ver o povo viajar de avião”.

De fato pessoas mais humildes têm cada vez mais acesso a passagens aéreas. Teriam os governos de esquerda enriquecido-as?

Pensando nisso, veio-me à memória o padrão VARIG de voar, que durou até os anos 1980. A começar pelo serviço de bordo. Serviam-se canapés— torradinhas cobertas com queijo roquefort, ovas de salmão com maionese, foie gras e pequenas bolinhas de caviar com fatias de limão e palitos de churrasquinho e casquinha de siri.

Havia mais: carrinho de bebidas com diversos tipos de scotsh, gim, Campari, vodka Stolichnaya, rum cubano, champagne, cervejas de vários países e refrigerantes, além de sucos e água mineral.

E não acabava aí. Havia o carrinho de caviar e lagosta. Depois passava ainda outro, com sopas, saladas e churrasco. Para encerrar, licores digestivos. Sem falar no café da manhã com pães, bolos e ovos fritos na hora pelo cozinheiro (sim, havia um chef de cuisine a bordo).

O que houve com esse padrão de voar? A falência da VARIG deveu-se mais à intervenção governamental do que a qualquer outro fator. O governo Sarney, com o malfadado tabelamento de preços, no bom e velho estilo de economia planificada socialista, enterrou a empresa.

Com a alta do petróleo nos anos 80 e o controle dos preços pelo monopólio da PETROBRAS, os custos de operar-se naquelas condições acabaram superando as receitas, devido ao preço tabelado das passagens.

Foi nesse ínterim que a TAM, servindo barrinhas de cereal e amendoins a passageiros mal acomodados, ganhou o mercado. A empresa conseguiu sobreviver não só diminuindo custos, mas também tendo acesso privilegiado a concessões, à exploração de rotas e a slots nos aeroportos.

Com a criação da ANAC em 2005, a situação piorou. A agência criou um sistema de oligopólios dominado majoritariamente por duas empresas: GOL e TAM. A VARIG continuou operando, aos trancos e barrancos, até 2010, quando foi comprada pela GOL. Até 2009 a ANAC controlava diretamente os preços das passagens, estabelecendo um piso para as viagens internacionais.

Com o fim desse tipo de regulação, as empresas passaram a competir mais entre si e, por conseguinte, passaram a oferecer descontos a quem comprasse passagens com antecedência. Isso trouxe pessoas de mais baixa renda aos aeroportos. O resto não passa de narrativa para conquistar votos.

A nova medida, inclusive, permitiu a entrada de mais uma empresa no ramo: a AZUL, que começou a operar em 2008 e, em 2021, tornou-se líder de mercado no transporte aéreo doméstico. A nova companhia, atualmente, oferece o maior número de voos e de cidades atendidas. Ponto para o consumidor.

Temendo perder terreno, a TAM uniu-se à companhia chilena LAN, dando origem à LATAM, em 2012. Com isso, a empresa passou a prestar melhores serviços. Oferece até carta de vinhos sul-americanos nos voos internacionais. Mais um ponto para os clientes.

Menos regulação, mais concorrência; mais concorrência, mais vantagens aos usuários. Nada mais nítido. O xis da questão, no entanto, é que os preços poderiam cair mais se o governo não sobretaxasse aeroportos, não controlasse o preço dos combustíveis, nem permitisse a pseudoconcorrência oligopolista entre três companhias, regulando os preços das passagens, não diretamente, mas por meio do controle da oferta.

Empresas aéreas brasileiras trabalham com lucros baixos (em torno de 3%) devido ao alto preço dos combustíveis e às elevadas taxas aeroportuárias, além das caríssimas concessões de exploração de rotas e slots (outorgados sob licitação).

Por conseguinte, visando a garantir os lucros, as empresas aéreas tendem a cortar gastos. De quem? Do cliente. Por isso o passageiro deixou de comer crustáceos em espaçosas poltronas e, ademais de ter de viajar espremido entre dois passageiros, passou a comer amendoim sem sal.

Se o governo permitisse a entrada de empresas estrangeiras e deixasse o mercado livre, parasse de regular os preços dos combustíveis e privatizasse de vez os aeroportos, o que teríamos? Algumas empresas barateando custos em tenção de atrair mais clientes e outras oferecendo serviços mais caros, porém de melhor qualidade. Enfim, a menina dos olhos do capitalismo de livre mercado: variedade.

Mantem-se, entretanto, o nefasto sistema de oligopólio, obrigando empresas a oferecer preços baixos e operar com margem de lucro muito pequena. Qualquer percalço na economia põe as companhias no vermelho, forçando-as a pedir socorro ao governo. Este, por sua vez, por conceder o direito de exploração de rotas a poucas corporações, oferece em troca a garantia de lucro (embora baixo). Ganham ambos. Só perde o consumidor. Enfim, um cartel entre companhias aéreas e o Estado, a imagem mais patente do real socialismo, não daquele ensinado nos livros escolares.

Lembro-me da ocasião em que precisei viajar de Manaus a Santarém, rota bastante procurada aqui na Região Norte. A única empresa que disponibilizava passagens a esse destino era a antiga TAM. A companhia oferecia uma única rota: Manaus-Brasília-Santarém. Se o leitor não achou absurdo, dê uma olhadela no mapa do Brasil. Uma viagem que duraria quarenta minutos em voo direto transformou-se em uma jornada cara e extenuante de seis horas. Assim funciona o oligopólio: oferta menor, preços maiores.

De tanto cruzar os céus deste Brasil em desconfortáveis aeronaves, descobri que não posso nem sequer optar por pagar mais para receber melhor serviço. Não existe essa opção, por não haver interesse das companhias em aumentar a qualidade e oferecer um produto diferenciado, visando, assim, atrair outras classes de consumidores. O Estado garante o lucro, transformando empresários em burocratas. Eis o verdadeiro socialismo.

Para piorar, as dimensões continentais do Brasil tornam empresas aéreas indispensáveis, também porque inexistem bens substitutos (ferrovias e hidrovias). O governo guarnece o oligopólio em todas as frentes.

O termo Airbus cai como uma luva em solo tupiniquim. Os pobres nunca saíram da rodoviária. A classe média é que passou a viajar de ônibus, só que esses ônibus voam e, amiúde, oferecem bem menos conforto que os velhos paus-de-arara. Realmente o socialismo iguala as pessoas na pobreza.

André Paschoal é médico e escritor.

ESTÁ RUIM? VOLTA PARA CASA!

Pack and go!

Sabe por que os americanos construíram um país tão rico? Não. Não foi explorando outras nações. O segredo do sucesso deles encontra-se na mentalidade. Aprenderam cedo que riqueza não se partilha, cria-se. Por entender, de há muito, que dinheiro não dá em árvores, dedicam boa parte do tempo em tentar conquistá-lo. Time is money!

Em território ianque não há espaço para corpo mole. Quem não tem competência não se estabelece. Norte-americanos desconfiam do governo desde o tempo das treze colônias, portanto não se deixam levar pelo mito do almoço grátis. Ganha mais quem mais produz.

Não há decimo-terceiro, férias remuneradas, abono salarial, reajuste anual de salário e outras falsas mordomias. Também não existia sistema de saúde pública até havia pouco tempo, quando Barack Hussein Obama criou o OBAMACARE, um germe do SUS americano. Escola pública existe, contudo eles sabem que nada vem de mão beijada; tudo tem um preço.

Já na América Latina, onde há mais de cinco séculos alternam-se governos populistas e socialistas, não se consegue deixar o engodo do sistema público, gratuito e de qualidade. Só não entendo como não se percebe a parvoíce de tal raciocínio. De graça, nem injeção na testa!

O economista americano Milton Friedman resume bem como nos prejudica o modo paternalista de pensar. Há, segundo ele, quatro maneiras de se gastar dinheiro: quando gastamos nosso próprio dinheiro com nós mesmos, fazemos questão de preço baixo e alta qualidade; quando gastamos nosso dinheiro com outra pessoa, queremos preço baixo e não fazemos tanta questão de qualidade; quando gastamos o dinheiro de outra pessoa conosco, exigimos qualidade e não damos muita importância ao preço; por fim, quando gastamos dinheiro dos outros com os outros, aí não fazemos nem questão de qualidade, nem de preço. A última opção representa o governo. 

Isto não entra na cabeça de latino-americano: sistema público é perdulário. Gasta muito e gera pouco retorno. Outra coisa que não se percebe em terras cucarachas: o custo do sistema sai do bolso da população.

No Brasil, quase 40% do PIB é imposto. Trabalham-se cinco meses do ano só para alimentar o leão. Devido à alta carga tributária, os impostos em “cascata” e o enorme custo dos “direitos” trabalhistas, o custo de vida encarece e a produção encolhe, resultando em baixos salários, subemprego e desemprego. 

Só que, surpreendentemente, quanto mais gira a espiral socialista, mais se pede socorro ao Estado, como se ele pudesse resolver o problema que ele mesmo cria. A América Latina cansa!

Talvez por isso as taxas de migração líquida nas terras da salsa e do samba variem sempre do zero ao negativo (mais gente saindo que entrando). A do Brasil em 2020 (último censo mundial) foi de -0,13 migrantes/1000 habitantes; a de Cuba, -3,71; a da Venezuela, -3,44, a da Argentina, -0,09 (lembrando que o dado é de 2020, antes de a crise socialista estourar no país).

Já a taxa de migração líquida dos EUA nunca sai do positivo. Em 2020 atingiu 3,04 migrantes/1000 habitantes. Entra mais gente que sai na terra do Tio Sam.

Mas que tanto procura esse pessoal? De que foge? Com exceção dos refugiados de guerra, a maioria procura maiores salários, mais segurança e melhor qualidade de vida. Os Estados Unidos oferecem tudo isso. A América Latina, não.

Quando chicanos avistam a Estátua da Liberdade pela primeira vez e gritam “América!”, chegam dispostos a trabalhar para ganhar em dólares no mínimo três vezes mais do que recebiam em seus países de origem. E conseguem.

O juízo tortilla y frijoles, no entanto, não muda. Não demora a associarem-se a sindicatos, a gritar por mais direitos trabalhistas, por menos assédio moral no trabalho, por mais serviços públicos, “gratuitos” e de qualidade.

Quando aparece um democrata nos moldes de Joe Biden, Barack Obama, Bill Clinton ou Jimmy Carter, morrem de amores por eles, ignorando que a nação que buscaram tornou-se tão atrativa graças a gente como Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e Ronald Reagan. Em suma, correm do Lula daqui mas votam no Lula de lá.

Quando os americanos decidiram dar um basta nessa marmota e foram às urnas em peso, elegeram Donald Trump, para desespero dos imigrantes. Com exceção dos cubanos, por óbvios motivos, a maioria dos imigrantes latinos chorou, desfiando o mesmo rosário monótono que rezam os partidos de esquerda daqui.

Pedem mais proteção do estado, mais direitos, mais benefícios, mais, mais e mais e tudo free, acusando de xenófobos, racistas, elitistas, machistas a todos aqueles discordam.

Algo familiar? Trata-se do mesmo discurso de esquerda proferido aos quatro ventos na América Latina. A mesma ladainha que esse povo tanto combateu por aqui e, cansado de dar murro em ponta de faca, desistiu e caiu fora.

Pior: nas redes sociais essa gente não se cansa de exaltar os populistas de lá e de crucificar os daqui. “Fora Dilma”! “Fora Trump”! What kind of stupids are they? O que querem por lá, por aqui tem de sobra. Se estão infelizes, aconselho que refaçam as malas. Aqui tudo é “grátis”. Que tal voltar?

André Paschoal é médico e escritor.